MUDAR O PAÍS OU DE PAÍS ? PÚBLICO, 22-Dezembro- 2006
NOTA PRÉVIA: O TEXTO SEGUINTE É MAIS UMA ANÁLISE DO "ESTADO DO PAÍS". É APENAS MAIS UM PONTO DE VISTA, NESTE CASO UMA VISÃO "À DIREITA" NO LEQUE POLÍTICO. É UM DOCUMENTO MAIS PARA UMA REFLEXÃO QUE SE VAI FAZENDO EM PORTUGAL!
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"Entre Cavaco e Sócrates há mais do que uma cooperação estratégica, há uma verdadeira cooperação simbiótica. Então que de uma vez por todas nos falem verdade, arrisquem a impopularidade. " "Portugal entrou para um clube de ricos, que tem exigências muito elevadas. E entrou sem ser rico, sem gostar de trabalhar e sem medir as consequências. Nas relações económicas internacionais, como na vida, é pior ser o mais pobre dos ricos do que o mais rico dos pobres." As coisas são o que são: ou, como muito gostava de dizer um muito nefasto primeiro-ministro, é a vida. Os factos, esses, são os seguintes: entre 2003 e 2005 Portugal foi baixando todos os anos o PIB "per capita"(em paridades de poder de compra) em relação à média da União Europeia. Se compararmos 2005 com 1999 descemos cerca de 10 pontos percentuais ! E a UE acha que até 2007 ainda vamos baixar mais dois pontos percentuais em relação à média. No mesmo período, a Grécia, a Espanha, a Irlanda e muitos outros aproximaram- se (ou subiram ainda mais para cima) da média comunitária. Há anos estávamos à frente da Grécia e agora estamos separados por 13 pontos percentuais (84%"versus" 71); da Espanha estamos agora a 27 pontos (98%"versus" 71). A República Checa e, antes dela a Eslovénia, já nos ultrapassaram e outros países de Leste aproximam-se rapidamente. Perante isto é fácil, demasiado fácil, culpar as loucuras do guterrismo e/ou a actuação dos governos que se seguiram. É fácil e, o que é mais grave, um disparate fazê-lo. Por um lado, porque com isso se contribui para acentuar a desculpabilizaçã o dos portugueses, motivando-nos a pensar que a responsabilidade é dos governos e que bastará (magicamente) descobrir um hipotético bom governo para que tudo se resolvesse. E, por outro, sem descurar a enorme responsabilidade de sucessivos governos, porque o problema é de fundo e substancial, e não se resolve apenas com medidas governamentais, ainda que duras e impopulares, como têm aliás de ser. Há muitos anos que o digo. Portugal entrou para um clube de ricos, que tem exigências muito elevadas. E entrou sem ser rico, sem gostar de trabalhar e sem medir as consequências. Nas relações económicas internacionais, como na vida, é pior ser o mais pobre dos ricos do que o mais rico dos pobres. Nos primeiros anos em que estivemos no clube, a actual União Europeia, foram tudo facilidades, o único caminho é para cima, finalmente somos europeus, agora é que se acabou um passado de miséria, etc. e tal. Depois vieram os inevitáveis preços a pagar, que a entrada no euro só acentuou. Ao fim de vinte anos de presença na actual União Europeia, Portugal teve um progresso económico e social indiscutível e muito positivo.Se não tivéssemos entrado em 1986, estaríamos hoje muito pior, sobretudo por sermos como somos. Nos primeiros anos, a melhoria rápida das condições de vida serviu como estímulo à auto-estima e à produtividade e muito dinheiro foi esbanjado, mas distribuído, aquecendo a economia e permitindo a criação de centros de racionalidade empresarial e a melhoria do nível de vida das classes médias. Mas depois, à boa maneira portuguesa, pensámos que o que recebêramos era merecido, era o resultado de um ancestral e não satisfeito direito, estava garantido para sempre e era fácil de assegurar sem mais esforço. Só que não há milagres na evolução das condições sociológicas dos países. Portugal depois de 1986 continuou a ser o país pobre, inculto, preguiçoso, dependente do Estado, vivaço e espertalhão, que vive dos biscates, das cunhas, da fuga ao fisco, do compadrio. A entrada na CEE não provocou, como não podia provocar, uma mudança na atitude básica dos portugueses, mas gerou - e nisso os governos tiveram muitíssima culpa - a autoconvicção de que os tempos difíceis tinham acabado, quando a verdade é que estavam apenas a começar. O resultado está à vista. Sem uma cultura que valorize o trabalho, a seriedade, o rigor, o esforço, o sacrifício, Portugal cada dia que passa se vai afundando mais. E para ajudar à missa, o ensino - que podia ser um factor determinante de aculturação - é uma vergonha e nada faz pela criação dessa nova cultura essencial à nossa sobrevivência num mundo cada vez mais competitivo. Pelo contrário, os professores são agentes activos para reforçar o arcaísmo e para destruir o que se possa ir formando de massa crítica de modernidade na sociedade portuguesa. A abertura a leste só pode piorar as coisas. Numa época muito competitiva, aprendendo com os nossos erros, por aquelas paragens aposta-se na redução do Estado, no aumento da produtividade, na educação, na concorrência. Como nós fazemos o contrário (veja-se o extraordinário caso dos supranumerários, que parece que só existem no Ministério da Agricultura! ), o nosso PIB medido em termos de paridade de poder de compra só pode degradar-se, até porque o investimento retrai-se e o aumento em termos reais do PIB é marginal e sempre inferior à médis europeia, para já não falar dos nossos competidores a leste. O que nos tem valido - e o Governo faria bem em ter a coragem de o afirmar, para não contribuir para a intoxicação em que se afunda a própria capacidade de reagirmos - é que a economia espanhola tem puxado pelas exportações portuguesas. Mas uma redução do crescimento no país vizinho ( que pode estar mais perto do que se pensa) irá degradar de imediato as nossas contas externas e aumentar o desemprego interno. Estamos condenados ? Claro que não. Li esta semana uma frase que me marcou. "Prefiro mudar o país do que mudar de país", disse um pequeno empresário. E recordo que os portugueses votaram em Cavaco Silva por acreditarem que ele poderia ser um agente muito activo das mudanças essenciais. Como escrevi noutro lado, entre Cavaco e Sócrates há mais do que uma cooperação estratégica, há uma verdadeira cooperação simbiótica. Então que de uma vez por todas nos falem verdade, arrisquem a impopularidade (parabéns a António Costa pelo que afirmou contra a vontade dos sindicatos da polícia em adquirirem direito de greve), mudem os enquadramentos normativos que geram a preguiça e o parasitismo, convençam-nos de que acabou o tempo dos facilitismos. Para isso, em época de "grandes portugueses" , percebam que foram Churchill, De Gaule e Adenauer os que venceram concursos idênticos nos seus países. E saibam que, se nos prometerem sangue, suor e lágrimas, talvez consigam mais de nós do que se continuarem a insistir - sabendo que é mentira - que a prosperidade vai chegar para o ano.
José Miguel Júdice ADVOGADO
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