Flexissegurança, o que é?
Flexibilidade!... Segurança?!...
A revista "Visão", 30 de Novembro, reagia, indignada, porque foi o primeiro órgão de informação a trazer nas suas páginas e com chamada à capa a confusa palavra " flexigurança" (assim mesmo escrita). A revista reagia com melindre não ter sido referida, citada, comentada por outros jornais que só dias depois estamparam a palavra nas suas páginas e logo tiveram eco, e assim a confusa palavra mereceu debate e sem que a revista tivesse sido referida, elogiada pelo palavrão que primeiro nos trouxe. No coro que se seguiu também não faltou quem achasse que a desconhecida palavra seria um bom achado para assunto de debate promovido pelos nossos políticos, nos meses que serão de presidência de Portugal na Comunidade Europeia.
A palavra rara e desconhecida houve quem achasse que poderia ser usada por políticos com pouca doutrina, tentando embalar o povo português, desconfiado e maltratado por anos de carestia e de desprezo por direitos adquiridos, conduzindo-o de modo disfarçado para mais apertos.
Nesse embalar nada melhor que empacotar conceitos em palavra rara, deixando a ideia de que as medidas empacotadas nesse palavrão vêm dos países do norte da Europa, onde se vive bem, onde há respeito por quem trabalha, onde o trabalho é respeitado e bem pago, onde os empresários têm cultura e não exibem grandezas balofas de novo-riquismo.
Mas o caso é que a palavra não foi introduzida com correcção gramatical, com respeito pelas normas da língua portuguesa. Logo aí o rabo escondido deixou o gato às claras. É que a palavra " flexigurança" (assim escrita) confunde e não respeita os conceitos que pretende transmitir. A palavra correcta é "flexissegurança" (assim escrita), segundo respeitáveis sabedores dos assuntos da língua portuguesa. O palavrão "flexigurança" (assim escrito) é uma enormidade gramatical para traduzir uma enormidade social. Confunde conceitos claros que despertam indignação. Pela palavra "flexissegurança ", assim de modo mais transparente, chegamos depressa ao centro da questão. Isto significa só e simplesmente "flexibilidade" e "segurança", ou melhor, "flexibilidade" no trabalho. Quanto à segurança, tudo depende do mercado!... Eis a descoberta e tanta confusão para assunto que todos nós já conhecemos.
E então pergunta-se se ainda é necessária mais flexibilidade nas leis do trabalho, se já com as leis que temos patrões deixam de pagar salários, despedem com facilidade, arrastam empresas para falências manhosas, deslocalizam empresas para outras paragens à cata de outros subsídios, exploram trabalho infantil, trabalho à peça, e tudo possível com impunidade, tudo com muita flexibilidade.
Há meses atrás, numa viagem com população para dois autocarros, um era conduzido por um motorista já com anos na empresa e com responsabilidades na formação de novos colegas, motorista com viagens ao estrangeiro, com salário estabelecido, um ordenado de pouco mais de 500 euros mês, transportando a responsabilidade de 60 vidas . O outro autocarro era conduzido por um motorista com contrato ao jeito da flexibilidade, a ganhar enquanto em tarefa conduzia agarrado ao volante. Chegados ao destino, arrumada a viatura no parque de estacionamento, este deixou de estar ao serviço, deixou de ganhar. Voltou a ser pago quando voltou a agarrar o volante para a viagem de regresso. Um dia de ocupação para trabalho pago de poucas horas, o tempo de uma viagem de Coimbra ao Porto e volta. Mais flexibilidade laboral do que esta já só escravatura.
Para encher a palavra rara, seguiram-se outras iniciativas. Lá foram uns jornalistas em reportagem à terra da "flexigurança". E ouvimos que lá na Dinamarca não há horário de trabalho estabelecido por lei, tudo muito flexível. Mas de lá ouvimos dizer por jornalistas da reportagem da TV que ninguém trabalha tantas horas por semana como cá em Portugal. Contas com flexibilidade feitas, trabalha-se lá menos 3 horas por semana. Lá na Dinamarca não há salário mínimo estabelecido por lei, tudo muito flexível. Mas foi-nos dito que num trabalho em terras agrícolas ninguém ganha menos de 2000 euros por mês. Lá não há medo de ser despedido, tudo muito flexível, porque há facilidade de encontrar trabalho.
Tragam-nos então a flexibilidade da Dinamarca e com a flexibilidade tragam-nos a segurança social que se goza na Dinamarca. E a nosso contentamento esquecerá a desconfiança.
E na palavra nova e esquisita não metam a peçonha e a maldade que lá onde a palavra dizem que nasceu, na Dinamarca, não meteram.
Portugal Noticias Miranda
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